sábado, 20 de fevereiro de 2010

Angústia Existencial = Terapia do Joelhaço

UM DEPOIMENTO DO ANALISTA DE BAGÉ SOBRE A TEORIA DO JOELHAÇO:
"Se algum paciente vem com muita história, eu digo logo que lenga lenga é conversa de japonês. Gosto de ir direto ao caroço da questã. Foi por isso que desenvolvi a terapia do joelhaço. Sou FREUDIANO de carteirinha assinada. Mais ortodoxo que pijama listado. Mas gosto de experimentar, porque paciente que cai no meu pelego sai curado nem que ele morra. Eu já tava até os corno de tanta gente se queixando de ANGÚSTIA EXISTENCIAL, da INDIFERENÇA DO UNIVERSO, do TERROR DO INFINITO. Meu pai, o velho Adão, sempre dizia pra não me preocupa com o infinito porque o infinito ficava pra lá de Lavras. Em Bagé não tinha angustia existencial e como em Bagé nunca teve fresco... Fui me enchendo com aquela fileira de desocupado que só pensava no UNIVERSO, como se o universo fosse tudo. Um dia me entrou um índio com cara de quem preferia não ter nascido e eu não me segurei nas bombacha. FUI lá e lhe apliquei um joelhaço. Bem ali onde TUDO começava e TUDO se resolve. O índio velho se dobrou como um canivete. Levei ele pro pelego com jeito. Ofereci um mate. Ele disse: - Aahhnn.
Queria dizer não se moleste. Depois que conseguiu falar começou aquela cantilena, más chato que padre da colônia. Porque era a FINITUDE HUMANA, porque era o ABSURDO DA EXISTÊNCIA, porque era o VAZIO CÓSMICO, porque a terra NÃO VALIA NADA...
Aí eu entesei que nem seminarista no sábado.
- Peraí, ó bagual, tu tá falando da minha terra.
- Mas a terra é uma titica de galinha - disse ele.
- Titica é tu e galinha é a tua mãe - argumentei. - A terra é muito melhor que muito desses planetas que andam se rebolando por aí feito china de delegado. Marte é só pedra. Vênus é um lixo. Saturno tá mais cheio de gás que alemão no fim de kerb. A terra tem tudo que um cristão precisa: oxigênio, mulher ancuda, mogango com leite gordo...
Mas o índio não se CONVENCEU. Disse que sentia um aperto na garganta cada vez que pensava no INFINITO e que aquela era a pior sensação que um vivente podia SENTIR.
- É pior que fome, desgraçado? - Perguntei.
Ele pensou um pouco e disse:
- É.
Aí cheguei o banquinho pra perto e perguntei:
- É pior que JOELHAÇO?
Não era. A partir daí ele começou a PENSAR melhor nas coisas. Abandonou a angústia e decidiu aproveitar a vida..."

[Luis Fernando Verissimo / Livro: A Velhinha de Taubaté / Crônica: O Depoimento do analista de Bagé]