domingo, 13 de março de 2011

Lições de feitiçaria

"... ESVAZIO a taça. Delicioso, o vinho. Meu CORPO o assimila e experimenta a ALEGRIA DA LEVEZA do ser. O mundo permanece o mesmo, com uma gota a mais de SABOR.
Mas repentinamente, num momento SUTIL, uma inversão acontece. Não SOU eu que bebo o vinho. É o vinho que me tem DENTRO de uma taça e me bebe. Não é o vinho que ENTRA em mim. Sou eu que entro no vinho e me DESCUBRO dentro de um mundo ESTRANHO que não conheço. Meu corpo é possuído pelos 'ESPÍRITOS' que haviam ficado de FORA até aquele momento."


[Rubem Alves / Livro: Lições de Feitiçaria]

domingo, 8 de agosto de 2010

A maior desgraça

"E a TRISTEZA que havia nos OLHOS dele era diferente da tristeza que havia nos olhos dela. Era uma tristeza que por vezes parecia DESAPARECER e no seu lugar ficava o NADA. Ele um dia disse para ela: 
- A história do HOMEM começa na desistência e no nada. E ela respondeu olhando para ele com os seus olhos cheios de tristeza VIGOROSA:
- Eu sou forte e tenho herança. É necessário VIVER. Não sei porque mas é necessário NASCER, VIVER e MORRER. É necessário viver. E ele disse:
- A maior DESGRAÇA foi nós termos perdido a nossa INOCÊNCIA e a maior desgraça ao mesmo TEMPO é que ainda a  possuímos."


[Jorge Mautner / Livro: Mitologia do Kaos]

Doçura de um torpor

"Estou na cama, mergulhado na doçura de um TORPOR. Às seis horas, depois do primeiro e leve DESPERTAR, estendo a mão para o pequeno rádio colocado perto do meu travesseiro, e aperto o botão. Ouço as notícias da manhã, mal distinguindo as PALAVRAS, e durmo de novo, durmo tanto que as FRASES que escuto transformam-se em sonhos. É a fase mais BELA do sono, o mais delicioso MOMENTO do dia: graças ao rádio, saboreio meus ETERNOS despertares e cochilos, esse EMBALO soberbo entre a vigília e o sono, esse movimento que por si só me tira o desgosto de ter NASCIDO."


[Milan Kundera / Livro: A Imortalidade]

Tal desorganização

"Ontem, no entanto, perdi durante horas e horas a minha MONTAGEM HUMANA. Se tiver coragem, eu me deixarei continuar PERDIDA. Mas tenho medo do que é novo e tenho medo de viver o que não ENTENDO quero sempre ter a garantia de pelo menos estar pensando que entendo, não sei me entregar à desorientação. Como é que se explica que o meu maior MEDO seja exatamente em relação: a SER? e no entanto não há outro CAMINHO. Como se explica que o meu maior medo seja exatamente o de IR VIVENDO O QUE FOR SENDO? como é que se explica que eu não tolere VER, só porque a VIDA não é o que eu pensava e sim outra como se antes eu tivesse SABIDO o que era! Por que é que ver é uma tal DESORGANIZAÇÃO?"


[Clarice Lispector / Livro: A Paixão Segundo G.H.]